Boa Nova

Por ocasião do 3o. Congresso Espírita Brasileiro, comemorativo do centenário do nascimento de Chico Xavier, em abril de 2010, Brasília, Mayse Braga ministrou esta crônica mediúnica sobre o livro “Boa Nova”, do espírito Humberto de Campos.

Uma mulher desesperada sai de um carro de luxo e começa a gritar:
– Meu Deus, eu sou uma infeliz, porque eu perdi dois filhos, meu filho e minha filha, em um acidente de carro e chego aqui as fichas estão todas distribuídas. Eu não vou poder falar com o Chico!!!

Outra mãe, que ali estava e que tinha começado a estudar um pouco da Doutrina Espírita, pensou: “meu Deus, ela perdeu dois filhos, eu perdi um. Os filhos morreram em um acidente de carro, meu filho optou por morrer…”.
Aquela mulher aproximou-se então da mãe desesperada, estendeu-lhe a ficha de número um e disse:

– Fique com essa ficha, minha irmã. Você vai ser a primeira a ser chamada.
Voltou ao hotel, certa de que, no dia seguinte, tomaria o ônibus de volta para cada.
De madrugada, um dos funcionários do hotel bate-lhe à porta: “Senhora, Chico Xavier mandou a senhora ir ao centro…”.
E ela: “Deve haver um engano, eu tinha uma ficha para conversar com ele, mas cedi a outra mãe…”
“Não, é a senhora mesmo. Ele me deu o seu nome completo, disse que a senhora estava hospedada aqui e pediu que eu a chamasse…” Eram duas horas da manhã.

Quando ela entra, Chico começa a ler:
Minha mãe, você sabe, eu sou um suicida, não deveria estar aqui. Mas Emmanuel foi me achar e disse: pelo desprendimento da sua mãe, eu quero que você vá comigo à reunião para falar a ela.
E aquela mulher chorou copiosamente ao identificar, nas palavras da mensagem, o filho suicida. O seu gesto de endereçar a outra mãe aquela ficha o havia levado até ali.
Às vezes, a generosidade que nos falta, embora nos afirmemos espíritas, afirmemos que somos generosos, nos impede de viver essas belezas impressionantes que todos deveríamos viver.

Divaldo nos lembrava do Brinquinho, o pequenês negro que o Chico tinha.

Chico mandou, certa feita, uma foto para um amigo meu e, atrás, a dedicatória que só uma pessoa como Chico Xavier poderia fazer. Dizia: “amigo, me perdoe, mas Brinquinho fez questão que eu saísse na foto com ele!”. Estava o Chico, no meio das suas rosas, com um terno azul claro, segurando o Brinquinho…
Esse mesmo amigo, certa vez, foi a Uberaba e reclamou, reclamou:

– Chico, eu sou um desgraçado! Eu sou espírita desde o berço, trabalho para os outros, faço o bem! O meu vizinho não faz nada, maltrata o cachorro, a empregada, os filhos… e tudo dá certo para ele! Ele tem uma mansão, tem o carro do ano, tem um emprego maravilhoso… Chico, eu tento de todo jeito ser melhor e não consigo! Deve haver alguma coisa erradíssima comigo, porque tudo dá errado para mim. E, para o meu vizinho, que nem sabe quem é Deus, dá tudo certo.

Então o Chico o abraçou carinhosamente e disse:
– Meu filho, não se preocupe. Veja que felicidade: seu vizinho ainda está semeando. Eu e você já estamos colhendo…

Em 1950, o Chico visitava algumas famílias embaixo de uma ponte, a certa distância de Pedro Leopoldo, a quase uma hora. Num certo sábado – era sempre aos sábados a visita – ele estava com a responsabilidade de ir, mas o sobrinho não tinha dinheiro, os amigos também não… O Dr. Bezerra de Menezes, mentor, então lhe aparece e diz: “meu filho, se não há nada para levar, vamos levar água…”

O Chico titubeou: “Água?”
O Dr. Bezerra prosseguiu: “Coloque as bilhas aqui, que eu vou fluidificar essa água…”
E, na primeira vez que eu escutei essa história, eu pensei: “o que eu não daria por um copo dessa água!…”
Prosseguindo, o Dr. Bezerra colocou as mãos sobre as bilhas e fluidificou a água.
Foram todos.

Uma hora depois, chegaram ao destino. Lá, o Chico explicou que, pela primeira vez, em dois anos, eles nada tinham para doar. Mas traziam água fluidificada.
Os homens da plateia já começaram a ficar desesperados. “O quê, Chico Xavier?! Você é um pilantra! Como é que você vem aqui, a gente esperando ajuda e você traz água fluidificada?!?!”

Uma senhora se ergue e diz: “Eu é que me surpreendo. Há dois anos ele está aqui a nos ajudar e, na primeira vez em que não pode, nós vamos expulsá-lo?”
Nisso, no meio da conversa, pára um caminhão imenso em cima da ponte e de lá grita o motorista: – Quem é Chico Xavier aí embaixo?!
O Chico contava: – Meu Deus, o que foi que eu fiz de errado?! Finalmente, depois desse dois anos, justamente hoje, nesse dia conflituoso, a “polícia” me achou…”
E, muito tímido: “sou eu”…
(Em 1950 ele não era tão conhecido assim).

“O senhor pode subir aqui?”
Ele subiu.
Quando chegou ao caminhão, o homem olhou bem para ele: “Mas o quê?!?! O senhor é que é o Chico Xavier?! Chico Xavier, o espírita?”
– Eu mesmo, meu filho…
_ Bem, não interessa. O senhor se lembra de um empresário de Goiânia, que trouxe o filho há um ano aqui em Pedro Leopoldo, para o senhor ajudar?
_ Não, meu filho. Me perdoe, é tanta gente, eu não me recordo agora.
_ Não interessa. Ele me mandou trazer esse caminhão e disse que o senhor ia saber o que fazer com isso.
Quando o Chico abriu, era comida para Pedro Leopoldo inteira!

Aí, subiu o pessoal de debaixo da ponte e começou a pegar a comida, a distribuir… “Vamos distribuir na cidade!”
Nisso, o Chico teve a ideia de perguntar: “mas como o senhor me achou aqui, a uma hora de Pedro Leopoldo?”
E o motorista: “Ah, isso foi fácil. Tinha um homem na sua porta”.

O Chico já pensou: “Ih, meu Deus, entrou ladrão, porque eu deixei tudo fechado, os meus sobrinhos não estão em casa. Quem seria?!”
_ Tinha um homem na sua porta e eu perguntei: o senhor é Chico Xavier? Ele disse: “não, meu filho”. Eu voltei a perguntar: o senhor sabe onde eu encontro esse Chico Xavier? E ele me respondeu: “Sei, meu filho. Vou te dar todas as indicações e você vai chegar lá.”

E aí o Chico já suava frio: “Meu Deus, quem será essa pessoa? O senhor sabe quem era?”
E o motorista, triunfante: “Ah! Isso também eu sei, porque, quando eu ia dando partida com as informações dele, eu perguntei: se o senhor não é o Chico Xavier, quem é o senhor? E ele me disse: Ah, meu filho, eu sou Adolfo Bezerra de Menezes!
Doutor Bezerra de Menezes se materializara à porta da casa de Chico para ensinar o caminha àquele caminhoneiro.

Se algo podia desejar, nesse dia em que me lembro que Humberto de Campos – enfrentando dificuldades, inclusive da própria família, que queria os direitos autorais das obras que ele escrevia através do Chico – contou histórias maravilhosas, em 1941, no livro Boa Nova, é que todos nós façamos tanto bem que as almas de luz apontem, a quem sofre, o caminho do nosso coração, porque elas terão a certeza absoluta de que, onde quer que estejamos, estaremos dispostos a ajudar a vida em torno de nós, começando portas a dentro do nosso próprio coração.

Toda pessoa que chegava até Chico Xavier não era uma pessoa inteira, era metade – pela dor, pelo sofrimento, pelos dramas – , e o Chico a todos dizia, ouvindo verdadeiros horrores: “Deus te abençoe, meu filho. Não se preocupe. Sua estrada é de luz…”
Pessoas às vezes com os dramas mais perversos, mas ele dizia a todos: ” Sua estrada é de luz…”.

Na Segunda Guerra Mundial, os americanos começaram a levar artistas para se apresentarem para os soldados. Eram 100, 150 mil soldados e todos os atores de Hollywood faziam questão de participar. Havia, na época, um comediante famosíssimo, que contava histórias como ninguém, chamado Jimmy Durante. Ele era feio como a maior necessidade, careca, embora haja carecas charmosíssimos, narigudo, embora haja narigudos famosíssimos, mas ele era tudo misturado.
Jimmy Durante usava um chapéu coco para disfaçar a careca, mas ninguém contava uma história como ele!…

Os americanos, os oficiais, perceberam que os soldados queriam muito que Jimmy Durante fosse à frente de batalha para lhes falar. O coronel foi até ele, pediu, e ele disse: “olha, eu sou um homem muito ocupado…”
Jimmy fora o grande amigo de Carmem Miranda. Ela morreu na noite em que dançara com ele em um programa que ele tinha. Eram muito amigos.
Bem, então ele disse ao oficial: “olhe, eu não posso, não tenho tempo, a minha agenda é completamente lotada…”

E o oficial: “Por favor, Jimmy, vá. Conte uma história, fique 10 minutos!… Eu vou deixar o helicóptero ligado, trago você de volta…”
E ele, constrangido: “Pois muito bem, eu vou, falo só 10 minutos e volto”.
Foi, subiu ao palco. Quase 200 mil soldados, dos quais muitos jamais voltaram para casa.
A Segunda Guerra já estava quase no final, mas as grandes batalhas ainda viriam…

E ele se apresenta: 10 minutos, 20 minutos, 30 minutos, 40, 50… uma hora!
O helicóptero já estava desligado. O coronel, sem entender nada. Por fim, pouco mais de uma hora depois de começar a falar, Jimmy joga o chapéu para a plateia e se despede.

O coronel, por trás da cortina, disse: “Jimmy, eu não entendi nada. Por que é que você falou por uma hora, quando você disse que só falaria por 10 minutos?!”
E Jimmy Durante, emocionado, apontou a primeira fileira e disse: “Olhe por que eu falei: observe a primeira fileira…”
Na primeira fileira havia dois soldados: um tinha perdido o braço esquerdo; o outro, o braço direito. Sentaram-se juntinhos para, juntos, poderem aplaudir…

Se algo eu puder desejar nesta noite extraordinária, em que nos lembramos de que pessoas, que seres de luz como Chico Xavier, não vieram à Terra por acaso, mas para nos lembrar o que podemos, o que temos de ser, é que nunca sejamos metade do que podemos ser. Chico Xavier nos deu essa lição. Sejamos inteiros, espíritas em todas as horas da nossa vida. Que testemunhemos, com o nosso caráter, com a retidão dos nossos pensamentos, com a alegria de ajudar e de viver para o bem, tudo aquilo que, através de Chico, os espíritos preceituaram.

E, nas horas difíceis, lembremo-nos, por exemplo, de Auta Souza:

Da estrela à raiz da erva
Vibra esta lei do Senhor:
O tempo apenas conserva
O que se faz por amor.
E, ainda ela, nas nossas horas difíceis, a grande poetisa do Rio Grande do Norte:
Embora desiludida,
Alma cansada e sincera,
Por muito te doa a vida,
Não desanimes!… Espera.

Que nós possamos esperar, mas esperar amando, servindo, relendo, bebendo na fonte extraordinária das obras de Kardec, nas obras psicografadas pelo Chico, e que possamos dizer, todos os dias da nossa vida: eu posso, eu posso, porque confio em Deus, nas forças do Universo que me ajudarão.
Nós, que sabemos que Jesus está em nosso coração e que uma nova era se apresentará, que sabemos que voltaremos à Terra quantas vezes forem necessárias para viver essa beleza, não nos esqueçamos: em 1976 ainda, Chico Xavier psicografou uma mensagem de Emmanuel, na rede Globo, e leu, emocionado, essa mensagem, que dizia: o homem no futuro conseguirá tudo, tirar dos mares mais profundos o alimento para si, modificar os códigos do mundo. Só duas coisas o homem jamais conseguirá: mudar as leis de Deus e viver sem amor.

Talvez ainda não sejamos felizes porque estejamos tentando as duas coisas: mudar as leis de Deus e viver sem amor.
Que, ao contrário, possamos, em todos os momentos, inclusive quando estivermos na nossa casa espírita, seja ela grande ou pequenina, ao abraçarmos alguém que precise de nós, como Chico, dizer emocionados: não se preocupe, sua estrada é de luz…

Que a nossa estrada, amigos, seja de luz. Que eventos como este, em que retemperamos nossas forças, signifiquem real mudança para nós, para a Doutrina, para o movimento, principalmente portas adentro do nosso coração.
Que Jesus nos guarde hoje e sempre!