Vamos falar da vida

Vamos falar da vida

 

Palestra proferida no Sesc, em Brasília, em 20 de novembro de 2016, a convite do Grudde – Grupo de Divulgação da Doutrina Espírita

(Degravação somente possível graças à cooperação dos voluntários Sabrina e Samuel Teixeira)

 

Amigos, com que alegria estou aqui, para comemorar, com os amigos do GruDDE,  esses vinte anos, e posso dizer que eles foram pioneiros nessa área de falar sobre as coisas da vida dentro da Doutrina Espírita, principalmente pioneiros em irem às casas espíritas com uma nova mentalidade, uma mentalidade de discutirem realmente as coisas, para que elas se transformem. Isso é fundamental.

E o GruDDE  manteve isso, ao longo dos vinte anos: são amigos pessoais, são pessoas que eu conheço há muitos anos e posso dizer a vocês que, do coração deles e de cada um, sai a maior esperança de que sejamos mais do que espíritas, sejamos verdadeiros cidadãos cristãos e nos importemos, de verdade, com a mudança do mundo, começando por nós mesmos.

Eu agradeço demais, desde já, esse convite, que me honrou, de estar com vocês numa tarde que parecia tão feia, e ficou tão bonita. Caiu o mundo no Sudoeste, não sei se onde vocês moram, caiu. Eu sempre acho que é o Sudoeste que está como um barco à deriva, que a chuva lá parece pior! Eu falei:

– Gente, eu vou falar com os desencarnados…

E, de repente, tudo se resolveu.

E queria agradecer também aos amigos espirituais, porque há uma semana eu estava de cama, com a garganta dilacerada, dor de garganta que eu nunca senti na minha vida.  Nem quando eu era criança  – Antes de começar a fazer palestra, eu sentia dor de garganta. E, mais tarde, os Espíritos amigos disseram que é porque a tarefa não tinha começado… Então eu sentia dor de garganta!

…Eu confesso a vocês que, nessa semana, eu me senti uma menina… Eu falei:

-Meu Deus, a tarefa ainda não começou, por isso que a minha garganta está desse jeito!!!

E, é claro, como vocês são muito merecedores, ela ficou boa!

Ontem a minha médica me passou o antibiótico mais fantástico do mundo, para que eu pudesse estar aqui, com vocês.

Amigos, havia um jovem, que parecia um atleta, e era um homem inteligentíssimo -um bon vivant, que adorava tudo que a vida tinha para oferecer. Ele sabia escrever, sabia falar muito bem. Adorava aventuras e viveu a vida exatamente como pretendia. Tornou-se jornalista, correspondente de guerra, depois escritor, e deixou obras magníficas, como “Por quem os sinos dobram” e “O velho e o mar”.

O seu mais famoso livro, “O velho e o mar”, que, na verdade, é a luta dele mesmo, significa, na luta com o peixe, tudo aquilo que todo ser humano tem de dominar.

… Ernest Hemingway sabia escrever como ninguém.

Era um homem apaixonado por tudo com que se envolvia, envolvia todas as pessoas, que também se apaixonavam também por ele. Teve quatro mulheres. Sofreu acidentes de avião, por exemplo, já mais velho, e ninguém acreditava que ele tivesse saído vivo, para continuar.

Adorava caçar. Tinha em casa uma coleção de espingardas, de armas de toda espécie, que ele cultivava como se fossem filhos. Teve filhos, mas tinha dificuldades em se relacionar com eles. Era um homem hedonista.

Um homem que adorava beber, a ponto de, em determinada fase da sua vida, não conseguir mais vencer o alcoolismo. E, junto com o alcoolismo, vieram as doenças. E, com as doenças, a velhice. E ele começou, embora ainda com sessenta anos, idade minha e de tantos aqui, naturalmente jovens, que ainda somos, a ter pavores; começou a desconfiar das pessoas, começou a criar um movimento, uma vida, um universo paralelo, com os seus receios, as suas crises, e, infelizmente, a sua quarta esposa era alcoólatra como ele e, completamente apaixonada por ele, achava que ele nunca precisaria de internação nem que se eliminassem as bebidas dentro de casa, porque ela também tinha problema de alcoolismo.

Uma das suas amigas, certa feita, passou a tarde dizendo a ela da necessidade de ambos pararem de beber. Ela escutou tudo com toda a tranquilidade que os amigos escutam de nós e disse apenas:

-Eu te agradeço demais, minha amiga. Eu escutei tudo o que você me falou, mas nem eu nem ele vamos mudar a nossa atitude…

E foi abrir uma garrafa de uísque que ela bebia mais de uma por dia  –  E Hemingway mais ainda.

Ele foi internado em situação limite de alcoolismo, mais de uma vez, mas sempre conseguia convencer os próprios médicos de que  ia se regenerar, de que estava bem e que podia voltar para casa. Mas, em 1961, disse à esposa:

-Depois dessa última internação, estou tão bem que nem me reconheço. Vou passar a tarde tentando colocar no papel algumas ideias para um novo livro…

Ele tinha um drama: nunca conseguiu superar sua obra prima “O velho e o mar”… Entrou numa crise, achava que nunca mais conseguiria escrever de verdade e, naquele dia de junho de 1961, ele, lamentavelmente, deu fim à própria vida.

Era um homem extraordinário, todos aqueles que o conheciam o admiravam. Entre seus amigos estava o então presidente americano, John Kennedy, que, quando se tornou presidente, em 1960, pediu a Hemingway que escrevesse para ele o discurso de posse.

Quando, às vezes, nós falamos do suicídio, aprendemos com a Doutrina Espírita acerca das consequências de nossos atos.

A Doutrina Espírita talvez seja a única religião que não nos deixa colocar debaixo do tapete as nossas dificuldades, porque nos ensina a encará-las e resolvê-las.

Tantas coisas surgem na nossa vida atual, não importa a nossa idade física, e que precisam das nossas observações e das nossas conclusões também. Nós, finalmente, estamos enamorados de sermos, senão espíritas, de sermos cristãos, e algo em nós diz sempre que precisamos avançar…

 

 

E não há como avançar em época tão difícil como essa, se não houver sinceridade dos nossos corações, na nossa própria vida e nas vidas em torno de nós.

Recordo-me de Betinho, dois anos antes de desencarnar, conversando com uma plateia, quando seus irmãos já haviam desencarnado também por AIDS, já que eram os três hemofílicos e foram contaminados numa época em que não havia nenhum rigor com relação ao sangue que os hemofílicos recebiam. Ele, emocionado, lembrando-se dos dois irmãos, que haviam partido antes dele disse, no seu pequeno discurso:

-Nós queremos a vida, mas não qualquer vida!!!

-Nós queremos viver, mas não a vida a qualquer custo, a qualquer preço…

E hoje parece que todo mundo resolveu viver de qualquer maneira: não acreditar, não ter esperança, desanimar por tudo ou por nada.

E, muitas vezes, se formos analisar a nossa própria vida, suas lutas já nos convidam à desistência e ao desânimo…

Encontro muita gente que, ultimamente, tem me dito:

-Meu Deus, 2015 foi tão difícil para mim, mas 2016 está pior…

Em termos de mundo, tanta coisa aconteceu, coisas inesperadas, coisas difíceis… Entretanto os amigos espirituais nos dizem que nós, de certa forma, sabíamos de tudo isso, e fizemos questão de estar mergulhados na carne nesses tempos. Fizemos questão de estarmos presentes, exatamente na vida adulta, nesse período de convulsão do mundo, em que valores eternos, que nunca deveriam ser esquecidos, parecem dinamitados, e as pessoas parecem querer inventar uma outra vida – uma vida que não é correta, que não é digna, que não é nobre, que não é necessária para ninguém.

E por isso que os Espíritos sempre nos  recordam que  todos nós, sem exceção, imploramos por essa oportunidade que se renovou através de uma nova existência, e, é claro, sabíamos das nossas dificuldades.

Eles comentam que, nesta existência atual, nós conseguimos, em grande maioria, trazer para junto de nós pessoas que não estavam conosco há 800 anos ou mais, porque todas as vezes em que encontrávamos essas pessoas, no plano espiritual, adiávamos o reencontro na matéria.

Talvez por isso, na área do afeto, por exemplo, tanta gente hoje se queixe de não ser amado como gostaria de ser amado, de não ser compreendido, de ter na própria família, ou entre amigos mais chegados, adversários.

É muito provável que tenhamos mesmo mergulhado desta vez com a proposta de, pela primeira vez, talvez, retornarmos um dia, pela morte física, de maneira melhor, mais positiva.

Eu posso dizer, sinceramente, tenho certeza, de que um dia todos nós, encarnados aqui presentes, retornaremos, talvez pela primeira vez, desde muitas vidas, numa condição em que nós teremos coisas boas de verdade para contarmos.

O problema é que essas coisas boas às vezes, no dia a dia, parecem se esvanecer, e não podemos permitir que isso aconteça.

Acho que por isso que Betinho, que era ateu, dizia:

-Queremos vida, mas não qualquer vida…

E os amigos espirituais dizem que ele só teve uma dificuldade do outro lado da vida, após o desencarne: entender que a vida continuava, porque, naturalmente, ele não pensava sobre isso, até por descrer da própria existência divina.

Entretanto todo o merecimento das campanhas ‘sem fome’, mais do que o ‘Natal sem fome’, de toda solidariedade de que, com sua figura pública, ele conseguiu colocar na sociedade brasileira, foi de enorme valia quando do seu retorno à pátria espiritual.

Todas as vezes em que a Humanidade atravessa grandes convulsões, períodos difíceis, surgem os líderes; surgem aqueles que tentam, mais do que gerir a própria vida, envolver a muitos. Foi assim na Revolução Francesa, quando os revolucionários fizeram o povo entender que não era mais possível o Absolutismo na França, não era possível que houvesse tanta miséria de um lado, e tanta riqueza do outro e surgem então os revolucionários…

E, é claro, todos já devem ter retornado à Terra, tanto tempo depois, em situações de renovação. Um deles, Marat, que não morreu guilhotinado, foi morto por sua criada na banheira, retorna muito tempo depois, naturalmente num processo de estar ainda ligado à política, só que, desta vez, no Brasil. E os Espíritos contam que ele foi Carlos Lacerda. Era um homem que tinha o dom da palavra. Quando ia à televisão, o país parava. Era um homem incendiário. Marat estava de volta… Não havia mudado muito, mas, sem dúvida nenhuma, continuava a trajetória de política, da qual sua alma nunca conseguiu se afastar.

A Revolução Francesa deixou, principalmente, como mensagem, que é preciso que haja real fraternidade…

Quando a Segunda Guerra acabou, De Gaulle, que tinha vivido na resistência, nos anos de guerra, falando pelo rádio, para comemorar a libertação de Paris, disse:

-A partir de hoje, todo ser humano tem duas pátrias: a sua e a França.

Relembrando aquela época em que os revolucionários derrubaram a realeza para construir não só um país novo, mas um mundo novo…

Entretanto, hoje nós vivemos a situação limite, por exemplo, dos refugiados, que ninguém quer aceitar…

As pessoas se sentem ameaçadas por eles.

Um casal amigo recebeu aqui no Brasil um rapaz sírio e seu filho de oito anos. A mulher dele foi morta dentro de uma igreja, e ele conseguiu fugir e veio para o Brasil. Aqui foi acolhido por famílias sírias e alugou uma casa. Montou uma casa da melhor maneira possível: pessoas colaboraram e, quando a casa foi entregue, ele, abraçado ao filho de oito anos, disse:

-Vocês, brasileiros, têm uma riqueza que não imaginam: aqui é o único lugar onde eu vou dormir com o meu filho e sei que vou acordar vivo no dia seguinte…

E nós estamos recusando acolher, em termos de mundo, essas pessoas desesperadas, que morrem, muitas vezes, no mar, tentando encontrar um pedaço de chão para si mesmas…

A situação dos dias que correm não é fácil, mas a dificuldade maior é sempre a do nosso próprio coração, diante daquilo que temos de transformar e não queremos, mas precisamos transformar!… Diante daquilo que nós sabemos que precisamos fazer pelo outro e que nos recusamos a fazer… Diante das dores que chegam e, muitas vezes, encontram a nossa incompreensão:

-Como!? Eu fui, naquele domingo, assistir a palestra da Mayse!!! Como é que nesta semana me acontece uma coisa dessas?!…

…Mas, na verdade, nós temos traçado os nossos caminhos das maneiras mais tortas.

Só que, nesta existência, com certeza, para estarmos reunidos aqui, num domingo à tarde, acredito que as forças do Bem pretendam que sejamos, cada um de nós, um multiplicador de uma nova vida para aqueles que nos aguardam do outro lado.

Uma frase de Eduardo Galeano é uma das minhas favoritas. Ele dizia:

-Somos o que fazemos, mas somos, principalmente, tudo o que fazemos para mudar o que somos.

Portanto, cai por terra aquela frase famosa nossa: -Olha, amor, eu sou assim. Quem quiser gostar de mim, eu sou assim…

Eu, levada de defeitos; e o outro me suportando… A verdade é que a proposta da espiritualidade é exatamente outra: somos de uma maneira, mas, transformados, seremos ainda melhores. Não importa nossa religião, ou até que não tenhamos nenhuma, mas, principalmente, a nossa atitude. E, como vivemos dias difíceis, o desânimo nos ameaça todos os dias. Se permitirmos que ele fique conosco algumas horas, com certeza teremos graves problemas.

Anteontem, a atriz que fez uma novela que todo mundo acompanhava, numa certa época, a novela chamava-se “Betty, a feia”, foi encontrada morta no quarto do hotel. Ela estava agora com 52 anos.

Meu Deus! Ela era linda…

Mas é impressionante como a alma encontra motivos para a tristeza, para o fracasso, para a desistência…

Não pode acontecer conosco.

Não acontecerá, porque nós perceberemos a nossa necessidade da fé, do tratamento psiquiátrico, psicológico, do maior de todos os tratamentos, que é mudar a nós mesmos para melhor e buscar o outro que precisa de nós, seja numa palavra, seja no silêncio, seja no nosso suor, no nosso corpo cansado, porque nós conseguimos ir longe, para levar ajuda àquele que precisava.

É muito complicado retornar ao mundo espiritual e tentar justificar o gesto de suicídio.

Nós nos lembramos que hoje é o dia da consciência negra -20 de novembro.

 

Em 1959, o então governador o Mississipi -Robert Kennedy – determina que as escolas de crianças brancas receberiam crianças negras. E, quando numa escola de crianças brancas chega a primeira menina negra, filha única, a mãe a vestira com sua melhor roupa, quando ela chega à porta da escola, em sua cidade, havia, ali, seis policiais para levá-la para dentro, porque todas as mães e pais das crianças brancas -eram quinhentos alunos -retiraram seus alunos da escola na frente das câmeras de televisão, dizendo que os filhos nunca mais estudariam ali…

Essa menina se viu aos seis anos sozinha, porque, à frente dela, tinha apenas a professora -uma professora branca, que a recebeu com carinho. A escola estava absolutamente vazia, mas, ao invés de fazer qualquer comentário, a professora sentou-se ao lado dela, abriu um pequeno livro e disse:

-Vamos aprender. Vamos estudar!

E as duas passaram o dia como se aquilo ali estivesse lotado de alunos.

Meses depois, vendo que não tinha jeito, os pais e mães de todas as crianças brancas levaram de volta os seus filhos para a escola.

Em 2009 essa senhora, hoje uma senhora, recebeu um convite do presidente americano Barack Obama para jantar com ele e, para sua surpresa, quando ela entrou em uma das salas da Casa Branca, lá havia um quadro enorme, que retratava exatamente ela, aos seis anos, cercada pelos policiais, subindo a escada da escola. E Obama, o presidente, a abraçou, apontou para o quadro e disse a ela:

-Eu lhe convidei para jantar para agradecer, porque, se não fosse você, naquele dia, hoje eu,

Provavelmente, eu não estaria aqui!

Portanto, nos cabe relembrar essas figuras maravilhosas de seres humanos, que somos todos nós e que, em momentos-limite, rompemos os nossos medos, superamos tudo e fazemos história.

Se a história coletiva de uma cidade, de um país, tem que ser modificada, a nossa vida, com certeza, também o será.

Nós, às vezes, temos aquelas fases difíceis, complicadas, e queremos que as pessoas nos esqueçam.

Eu tenho uma tia querida que está com 81 anos. Outro dia ela me dizia:

-Mayse, eu estou na seguinte fase: quando a pessoa me encontra na rua e diz ‘Eu esqueci de convidar você para tal coisa…’. Eu faço aquele ar suave, mas penso, comigo, ‘graças a Deus!’ Porque, aos 81 anos, só de pensar que eu vou ter de vestir uma meia de seda, que eu vou ter de pensar num vestido, eu já estremeço… Então eu acho ótimo quando as pessoas se esquecem de me convidar para as coisas!!!

Hoje, eu tenho certeza, todos, aqui, adoram ser relembrados, mas um dia nós vamos chegar talvez a isso:

-Ah, meu Deus, que bom que fulano não se lembrou de mim,  pra essa farra que ele programou, porque, embora o meu coração tenha 20 anos, o corpo não tem mais…

É óbvio que envelhecemos para termos sabedoria, porque, se nos mantivéssemos jovens, extenuantes de energia, não íamos querer desencarnar de forma nenhuma… Íamos querer ficar 200 anos no corpo, mas, quando você envelhece, quando você percebe que já não caminha como caminhava; que a pessoa tem de repetir a frase, porque você não escutou direito… É quando você é obrigado a usar óculos, querendo ou não… E isso, muito antes dos 80 anos,  quando o nosso corpo começa a nos dizer:

-Um dia eu vou embora, ou melhor, um dia você vai embora e eu vou ficar.

E era exatamente o que Chico Xavier dizia.

Ele contava, já idoso, que, um dia, ia correr o Brasil, reencontrar os amigos. Olhou para a mala em cima do armário e disse:

-Eu vou!

E ele conta que, sabiamente, “o corpo” disse a ele:

-Pode ir, Chico, que eu fico aqui te esperando…

…E ele viu que não tinha jeito: nunca mais ele teria o vigor.

E olha que o dele  era um vigor muito sustentado pelo lado espiritual, porque o Chico teve problemas de saúde, desde criança, que, no entanto, nunca o impediram de, realmente, caminhar.

Há uma frase, um provérbio chinês, de que eu gosto muito, de que eu sempre lembro quando eu estou nessa fase de querer que me esqueçam: “As árvores querem ficar quietas, mas o vento não deixa”.

Eu tenho certeza de que todos nós, às vezes, queríamos ficar quietinhos, ignorar o mundo, ignorar as dificuldades, as dores, mas o vento é muito forte… Mas é porque ele vai transformar as nossas vidas. Por isso ele chega de inesperado, e demonstramos o real equilíbrio quando o vento da vida não nos derruba, quando permanecemos de pé, embora as enormes dificuldades.

Chico, em 1959, psicografou “Brasil, coração do mundo, pátria do evangelho”. Esse livro, do jornalista desencarnado Humberto de Campos, foi um estrondoso sucesso. Ficou todo mundo arrepiado. Fez um sucesso absoluto.

O pai do Chico estava muito doente – ele teve uma doença degenerativa, que lhe provocava grandes dores e, por isso, ele tinha que tomar injeção toda semana. A injeção era tão cara que chamavam de “injeção de ouro”.  E só ele e o Chico trabalhavam. Do primeiro casamento, ele teve nove filhos. Do segundo, sete. Então era uma família enorme, sustentada pelo salário dos dois. E as injeções eram duas por mês.

Ele só aceitava que o Chico cuidasse. Já não conseguia mais mover os braços. Já não andava. Tinha-se de fazer toda a higiene dele.

E, um dia, eles estavam conversando, quando amigos espíritas chegavam de toda parte, pra dizer:

-Chico, “Brasil, coração do mundo” é um sucesso absoluto!!! Está vendendo que nem banana na feira!!!

E o pai um dia disse ao Chico:

-Tem certeza de que você não vai receber nem um centavo por nenhum dos livros que você psicografa?

E o Chico, sereno, respondeu:

-Tenho, pai. Os Espíritos jamais aceitariam isso.

O pai não se conformava:

-Meu filho, mas você diz o quê, quando se recusa a receber qualquer valor?

-Ah! Eu digo: toda a renda que esse livro der vai para os mais necessitados.

Aí o pai não se aguentava:

-Meu filho, você conhece alguém mais necessitado do que a nossa família?!

E o Chico:

-Meu pai, nem pensar sobre isso, eu sempre digo! Eu vou lá no cartório, dedico o livro para alguma instituição de caridade, para os mais pobres.

E o pai:

-Oxe, você conhece alguém mais pobre que a gente?!?!

E o Chico começou a realmente ficar sem graça, porque não sabia o que responder ao pai. O pai percebeu que Chico chorava, porque não podia retroceder no seu compromisso com a Espiritualidade, então disse a ele:

-Meu filho, eu vou prometer uma coisa: quando eu morrer, até você morrer, todo mês de junho e de dezembro, você compra um bilhete da loteria (ele era vendedor de bilhetes de loteria), porque eu prometo, chegando do lado de lá, eu vou dar um jeito de parar a roleta no número que você escolheu, que você comprou. Eu prometo! É junho e dezembro, hein, Chico?! Que são os dois prêmios maiores. Não se esqueça!!!

E o Chico, muitos anos depois, disse:

-Eu tenho certeza que a obediência a meu pai me faz pensar sobre isso até hoje. E até hoje, até o último dia da minha vida, eu vou comprar o bilhete de junho e de dezembro, embora Emmanuel já tenha me dito muitas vezes:

-Por que você faz isso? Isso não vai dar em nada. Seu pai quis dar uma esperança para você, mas não vai sair nada nunca…

E o Chico dizia:

-Mas eu vou comprando!…

Porque a verdade é que realmente ele teve uma vida toda dedicada aos outros.

E ele dizia, quando o seu pai se queixava de que ele não recebia nenhum centavo:

-Meu pai, mas tantos nos ajudam! Os vizinhos nos trazem móvel. Outro traz uma galinha. O outro faz um bolo e nos oferece…

Mas, é claro, o pai ficava impressionado com a vendagem dos livros, e com o fato de o Chico não receber dinheiro nenhum.

O Chico, quando tinha 32 anos, teve uma crise respiratória. Sentou-se no degrau da varanda, achando que ia morrer. Era uma pequena varanda que dava para a cozinha. E ele, com a crise respiratória pavorosa… Emmanuel, seu protetor, lhe aparece e diz:

-O que você está fazendo aí, sentado?

-Eu estou morrendo. Prometa que assim que eu morrer o senhor me recebe?

-Olha, eu estou muito ocupado, meu filho! Você vai morrer, mas eu não vou poder te receber, que eu tenho compromisso…

E desapareceu.

Meu Deus do céu! Por isso não existiria Chico sem Emmanuel, implacável com ele, mas também não existiria Emmanuel sem Chico.

Aí a situação piorou, a respiração ficou pior.

Aí que a respiração faltava mesmo.

Ele tinha 32 anos.

Aparece Dr. Bezerra de Menezes.

Essa alma magnífica.

-Meu filho, o que você está fazendo sentado nesse degrau?

E ele já a arfava.

-Ah! Dr. Bezerra eu estou morrendo. Eu estou morrendo! Eu sei que eu vou sair do corpo agora. Será que, mesmo eu sendo uma besta, o senhor não pode fazer nada por mim?

E o Dr. Bezerra, muito sério:

-Meu filho, veterinária não era a minha especialidade quando eu estava encarnado, mas quem sabe eu não possa fazer alguma coisa por você!!!

E colocou a mão no peito do Chico.

Ele viveu mais 60 anos!

Sempre que eu penso nessa história eu penso:

-Meu Deus, será que eu ainda estou sentada no degrau? Ou seja, esperando que logo vai vir a desencarnação e tudo vai se resolver? Ou, naturalmente, eu preciso galgar degraus, ultrapassar as muitas dificuldades e nunca desanimar?

Havia um homem, um jovem, alpinista, montanhista, que pensava no inimaginável para a sua época, que era escalar o Monte Everest -o maior monte do mundo. E em 1924 ele foi visto pela última vez no lado esquerdo do Everest, o mais cruel e nunca mais deu notícias. 75 anos depois, uma expedição encontrou o que havia sobrado dele, conservado pelo gelo. Chamava-se George Mallory, e uma frase dele ficou famosa no mundo inteiro, porque é claro que, décadas depois, mais de 30 anos depois, houve uma expedição que foi vitoriosa e chegou, pela primeira vez, ao alto do monte.

Mas nunca se soube se Mallory conseguiu chegar, porque ele foi achado, jogado 75 anos depois. Entretanto, pouco antes de subir o Everest, o repórter perguntou:

-Por que o senhor cismou que vai subir o Everest? Quando ninguém jamais fez isso? E é morte certa!

Ele disse apenas, com o olhar sonhador:

-Porque ele está lá. O meu motivo é só esse: porque ele está lá…

A verdade é que, na hora das nossas lutas, das nossas dores, nos esquecemos de Jesus que disse:

-Se tiveres a fé do tamanho de um grão de mostarda, passa daqui para ali, e nada vos será impossível.

Então mesmo que nos julguem malucos, porque tem determinados sonhos que aparentemente não vamos realizar, pensemos que nossos sonhos existem, estão lá e nós queremos realizá-los!

Esse é o pensamento mais positivo que nós podemos ter.

Einstein só conseguiu se alfabetizar aprender a ler e a escrever aos nove anos de idade!!! E o professor de Química, para informar aos pais dele que ele havia sido alfabetizado, disse:

-Apesar de, finalmente, aos nove anos, ele ter aprendido a ler e escrever, não se iludam: o filho de vocês é um caso perdido…

E era um caso perdido mesmo: porque era um gênio que tinha vindo do mundo espiritual, que retornou para o mundo espiritual em 1955 e, todas as vezes em que era elogiado por ter bolado a teoria da relatividade, dizia:

-Eu? Eu não descobri nada. As coisas estão lá. Eu só entrei em sintonia…

Sua foto mais famosa, porque ele não gostava de ser fotografado, é aquela com a língua de fora, como a nos dizer:

-Não se levem tão a sério, mas façam o que for possível para vencer todas as dificuldades!

Imagine se você fosse alfabetizado aos nove anos, o que o seu pai não escutaria?!

Talvez algo semelhante ao que o professor de Química disse aos pais de Einstein!

Steven Spielberg foi reprovado três vezes para ingressar na faculdade de cinema. Steven Spielberg!!!

…Mas não se deixou desanimar por isso.

Quem está, pela décima vez, tentando vestibular, aos 60 anos, fique firme!!! Porque, numa hora, acontece…

O problema é que nós desistimos antes que os nossos sonhos finalmente se realizem…

Uma das passagens que eu adoro, uma das minhas favoritas de Jesus, é o encontro dele com o cego de Jericó.

Ele era cego de nascença, um homem baixo. Havia uma multidão entre ele e Jesus.

Ele, quando olhou Jesus de longe, pensou – dizem os Espíritos:

-Meu Deus, eu não vou conseguir chegar perto dele…

Mas Jesus, que estava tão distante, pediu a dois discípulos que fossem buscá-lo lá no final da multidão…

Era conhecido em toda a parte, porque tinha nascido cego e esmolava na rua desde menino.

Quando ele chega, Jesus lhe pergunta:

-Que queres que eu te faça?

Parecia lógico: enxergar…

Mas Jesus respeitava tanto a vontade livre da alma, que pergunta:

-Que queres que eu te faça?

-Senhor, que eu veja.

E Jesus diz:

-Eu quero.

…Imagina o que era Jesus querer?!?!

A energia d’Ele, lançada sobre você, sobre a sua necessidade…

Finalmente o cego enxerga e, obviamente, todo o mundo disse:

-Ele nunca foi cego…

-Ele mentiu para todos nós esse tempo todo…

-Ele fingia ser cego…

E aparece a confusão na cidade.

Levam-no ao templo.

Os sacerdotes, horrorizados:

-…Como ele estava enxergando?!

Chamam os pais. Os pais dizem:

-Mas é claro, ele é cego de nascença…

Até que, no meio do burburinho, da confusão, ele apenas diz:

-Uma coisa eu sei: eu era cego, e agora vejo.

Tenho certeza que,  em nossas vidas, há momentos em que a lógica se instala em nós.

O momento em que nós não desanimamos mais, não desistimos, e a nossa vida assume um outro patamar. Mesmo que haja, e sempre haverá, anos difíceis, sonhos que não se realizam, dificuldades, separações físicas. Mesmo que alguém que amamos não queira mais estar ao nosso lado e siga outro caminho. Mas o nosso caminho permanece.

William Crookes, pesquisador, da vida além da morte, extasiado ante a comprovação de que além da existência física a vida continuava, fora da matéria, cunhou uma frase famosa dentro da Doutrina Espírita, que diz:

-Eu não sei se é possível ou impossível, eu digo que é real…

E quando todas as religiões nos dizem, nós devemos acreditar que continuamos. Nos cabe permanecer convictos de que começamos a construir aqui agora toda a caminhada na direção do que vem para nós.

Muitas pessoas desequilibradas entravam na fila para falar com Chico, e contavam verdadeiros

horrores. Às vezes eram histórias de vingança:

-Ah! Porque eu vou acabar, porque eu descobri que meu marido tem outra mulher, e vai acontecer isso e aquilo…

E, às vezes, Emmanuel olhava para Chico; Chico olhava pra Emmanuel…

E Emmanuel, tranquilo, ao lado dele dizia:

-O dia de amanhã vem perto. Não importa o que a pessoa escolha. Ela colherá aquilo que tiver semeado.

E sabemos que estamos todos às vezes em situações difíceis, colhendo algo que tenhamos plantado sem a consciência que hoje temos.

Miguel de Cervantes foi preso pela Inquisição e escreve, já quase louco pelas torturas que havia sofrido, a famosa obra Dom Quixote de La Mancha, em que fala da loucura que ele já percebia em sua alma, mas também da intolerância religiosa que a Inquisição significava.

Ele conta a história de um homem que precisava libertar a donzela que adorava -Dulcinéia -e encontra, no meio do caminho, moinhos de vento que considerava serem dragões.

Talvez nunca, como hoje, nós tenhamos tido tantos moinhos de vento para vencer…

Mas, como diz a letra da música Sonho impossível, eu sinceramente espero que nós façamos nossas flores dos chãos impossíveis, que são, às vezes, as nossas vidas. E precisamos acreditar nisso.

Voltaire dizia:

-Todo homem é culpado por todo bem que ele não fez.

Não foi nenhum religioso que disse isso, foi Voltaire!!!

-Todo homem é culpado por todo bem que não fez…

Pedro e João desciam uma escada, e um paralítico implorava moedas.

Pedro e João procuram, não tinham nada.

E, de repente, Pedro se recorda do Cristo e de que todos nós éramos energia pura e responsáveis pela energia que passam aos outros. Aproxima-se do paralítico, que já estava nervoso, porque via que Pedro e João não tinham dinheiro nenhum, coloca a mão sobre a cabeça dele e diz, de todo coração:

-Nós não temos ouro nem prata, mas o que temos, te damos.

E o paralítico fica curado ali.

Às vezes o nosso coração está tão pequenino que achamos que nada temos para dividir com os outros, material e espiritualmente, mas sempre teremos, bastará corrigir determinados pensamentos nossos – e é claro que esse obscurantismo que parece estar surgindo novamente nos faz pensar que, por tanta gente extraordinária que lutou antes de nós, nós mesmos, talvez, em outras vidas, não podemos deixar que o mundo se torne pior, que valores que já estavam consagrados desapareçam.

Como pode acontecer que, hoje, o ódio esteja aumentando entre as pessoas? Racismo de toda espécie, preconceito de toda sorte…

Nós ainda estamos aqui, nos cabe, portanto, tentar modificar tudo isso.

Quando Jesus conversou com os discípulos pela última vez, falando-lhes das missões que eles teriam, disse:

-Eis que eu vos mando como ovelhas, em meio a lobos.

Entretanto, nunca passou pela cabeça dele que um discípulo se tornasse um lobo!

Tenho certeza de que, quando nos olha, Ele pensa a mesma coisa.

Nenhum de nós pode tornar-se um lobo, embora tudo à nossa volta às vezes nos convide à rispidez, à intolerância e até à maldade, que nós vamos, sem dúvida, superar.

Fernando Bem é um médium que tem recebido, no Rio de Janeiro, muitas cartas de Espíritos, para as suas famílias.

Essa mensagem a que vou me referir foi recebida nessa semana passada, pelo médium Fernando Bem, que é tosador de animais. Acreditam? Ele tosa animais.

Mas, nos tempos livres, que, praticamente, não existem, ele psicografa.

Uma família perdeu o filho em abril desse ano – o menino, o rapaz, tinha problemas cardíacos desde o nascimento, e a filha deles, Camila, médica, dizia ao irmão:

-Você tem que se cuidar. Você não pode fazer isso. Você não pode fazer aquilo. O seu coração não aguenta. Tem que fazer exercício…

Ele fazia tudo o que a irmã determinava. Tinha vinte e dois anos.

A irmã dizia:

– Se você não fizer tal coisa, vai morrer. Se você comer tal coisa, vai morrer. Se não tomar esse remédio, vai morrer…

Esse rapaz, semana passada, comunica-se com os pais, e, na mensagem, a primeira frase dele fez o pai cair em pranto, porque ele inicia sua mensagem psicografada dizendo:

-Camila! E não é que eu morri?!

Ele tinha problemas sérios de coração e, aos 22 anos, seu coração não suportou.

A família ficou dilacerada, embora sempre soubesse da fragilidade da sua alma e do seu corpo.

E a irmã médica sempre dizia:

-Olha que você morre! Olha que você morre!!!

E a primeira frase da mensagem é:

-Camila, não é que eu morri?!?!

…Mas o extraordinário é alguém poder voltar e dizer:

-Camila, tudo o que você me aconselhou deu o maior resultado. Embora o meu coração tivesse parado, eu cheguei aqui com 100 por cento de saúde!!!

E, no fundo, um dia vai acontecer com todos nós…

O nosso corpo idoso, ou muito machucado, não poderá mais ficar…

Feliz de nós se não olharmos para trás, a não ser para abençoar tudo o que tivermos deixado pelo caminho.

O poeta Ferreira Goulart, com poesias maravilhosas, um homem inteligentíssimo e também ateu, teve dois filhos com grave esquizofrenia. Um deles matou-se; o outro vive há anos num hospital psiquiátrico, sem condições de conviver com a família.

Ele raramente toca nesse assunto, mas, quando era bem jovem, e tinha chegado da sua terra ao Rio de Janeiro, foi a uma reunião de amigos onde o pessimismo era tamanho que saiu de lá arrasado. Ele tinha vinte e poucos anos, não tinha como sobreviver, porque não era conhecido, não tinha mostrado a ninguém os seus trabalhos, a sua poesia, e um professor de dialética o convenceu, naquela reunião, de que a vida não valia nada: nada adiantava, porque, qualquer coisa que você fizesse, não ia dar resultado nenhum. Então não adiantava mudar a vida, porque nada teria solução.

Ele conta que voltou para a quitinete em Copacabana, onde dividia com dois amigos, que também ficaram famosos depois, mas nenhum dos três tinha um centavo. Um deles tinha comprado na vendinha da esquina meia dúzia de pastéis de banana.

Ele se sentou, quando chegou à quitinete. Os amigos não estavam. Pensou:

-Meu Deus, é verdade! O que aquele homem me disse é verdade. A vida não tem sentido! A vida é nada. Aqui estou eu ainda moço, desconhecido, passando necessidade. Sei lá se a minha vida vai dar certo. Eu vou me matar.

Mas, quando ele se levantou, pensando em jogar-se da janela, bateu o olho nos pastéis de banana.

Ele olhou aquilo.

A embalagem gordurosa.

-Meu Deus! Um dos dois deve ter esquecido…

Ele sentou na cama e pensou:

-Ah! Antes de eu me matar, eu vou comer um pastel.

Pegou o primeiro.

O pastel estava uma delícia!!!

Quem gosta de banana sabe: pastel de banana é o máximo…

Pegou o segundo.

Ele:

-Meu Deus, os dois vão chegar, vão querer comer!!! Ah! mas eu vou me matar mesmo… Então eu vou comer todos e, depois, eu me jogo da janela. Está tudo muito gorduroso, mas, não tem problema: eu estou pra me matar…

Ele conta que, depois do último pastel, tinha mudado de ideia: havia doçuras na vida!…

Não só os pastéis de banana, mas também alguma coisa dentro dele, que não o deixava desistir.

Depois ele se casou. E vieram boas almas, altamente necessitadas, para junto dele.

Eu nem preciso dizer que, se algo eu poderia desejar a todos nós, é que na nossa hora mais difícil, de forma figurada, nós encontremos um pastel de banana…

Mesmo que não esteja na nossa dieta!

Mesmo que seja algo que nós nunca imaginamos vivenciar! Mesmo que seja um filho amado que nos dê uma notícia trágica. Mas, mesmo assim, nós o amaremos de todo o coração.

Vamos deixar de lado, sepultado mesmo, qualquer intolerância, preconceito. Aceitemos o outro como é. Vamos aceitar o outro como é, para que ele se torne melhor, já que nós achamos que ele não é bom…

Mas, por nossa vez, vamos descobrir onde estão os moinhos de vento que nós precisamos vencer. Vamos descobrir onde estão os pastéis de banana, os pensamentos, os amigos, um livro, um filme, um silêncio que nos podem fazer continuar a viver novamente…

E ele conta, Ferreira Goulart, ao lembrar-se dessa história, que até hoje não sabe se foi a fome que o salvou, ou a coragem de viver para mudar.

…E, quando a gente pensa que não tem mais beleza na vida, vem o prêmio Nobel e dá a Bob Dylan o prêmio de literatura do ano!!!

E os escritores ficaram horrorizados:

-Como um cantor, um músico, pode ganhar um Nobel de literatura?!

Ele morou no metrô e, em 1965, escreveu uma das suas músicas mais famosas, que diz:

-…E por quantos anos uma montanha pode existir antes de ser lavada pelos oceanos? E por

quantos anos algumas pessoas devem existir, antes de poderem ser livres? E quantas vezes um

homem pode virar a cabeça e fingir que não vê? A resposta, meu amigo, está soprando no vento…

…E esse homem não merece o prêmio Nobel de literatura?!

Nós estamos tão velhos no coração, que achamos que só um livro pode merecer um prêmio?!

Mas, quantas vezes uma música, uma poesia, não nos colocou de volta, na frente dos moinhos, e serviu, para nós, como um grande pastel de banana gordurosa?!

Na verdade, me lembro de Maria Dolores, uma mulher baiana, amigo de Divaldo Franco, uma mulher maravilhosa, que não tinha o padrão de beleza que se costuma creditar a mulheres vitoriosas… Ela sempre amou sem ser amada, sempre quis uma família que nunca construiu…

Desencarnada, através de Chico, escreveu poesias magníficas. Dizia numa delas:

-Senhor, quando eu era criança, e o Natal chegava, eu te pedia sempre uma boneca. Quando jovem, pedia sempre um amor, que nunca me veio. Hoje, alma livre no Além, eu te peço: Jesus! Nunca me dê aquilo que eu mais queira, dá-me o dom de compreender, porque compreendendo acertarei sempre.

Nas suas poesias, ela é sempre extremamente positiva.

-Se o desânimo procurar-te mergulhar na amargura, não duvides, meu irmão, que há vida por toda a parte, nova luz a buscar-te, falando de renovação. Coração, sigamos juntos, não te agrilhoa-te a problemas, esquece mágoas, não temas. Vara a sombra ao redor, sai de ti mesmo, e busquemos a luminosa oficina, onde a bondade divina, constrói o mundo melhor…

Meu Deus! Não importa o que venha a acontecer: não importa como vão ser os próximos anos! Façamos por nós mesmos o melhor. Pensemos que um dia o Terceiro Milênio estará instalado na Terra!!! A nossa geração, provavelmente, e nem a próxima depois de nós, verá. Mas, um dia, acontecerá… E, quem sabe, numa outra vida, nós venhamos a colher o que tivermos semeado…

Pra vocês terem ideia, sobre a distância da Terra de provas e expiações, que existe, para o planeta regenerado que um dia será, Emmanuel dizia:

-Duas coisas definirão a chegada do Terceiro Milênio: o homem amará, pela glória de sentir amor, sem nada pedir em troca, e todos os dirigentes dos povos serão escolhidos por suas qualidades morais…

Falta muito tempo, mas voltaremos!

Não nos iludamos: “viver”, como dizia Belchior, “é que é o grande perigo”…

E é mesmo!

Como nós já estamos mergulhados nessa vida, vamos aproveitá-la ao máximo.

Eu desejo a todos nós que possamos rir mais, esperar mais, acreditar mais, sermos multiplicadores das coisas boas, mesmo que, aparentemente, a TV, os meios de comunicação nos digam que nada vai melhorar.

Vai melhorar.

Há um escritor que eu admiro muito, Zuenir Ventura, hoje com 84 anos, com uma neta de sete, chamada Alice. Outro dia ele estava no computador – ele escreve pro Jornal O Globo toda quarta e todo sábado. Então ele apertou um botão determinado e desapareceu tudo da tela do computador!!! Ou seja: ele tinha que entregar uma hora depois o seu artigo, e tudo estava perdido…

Ele começou a ficar desesperado em frente ao computador. A neta, de sete anos, aproxima-se dele e diz:

-O que foi, vovô?

-Meu Deus, Alice! Nem adianta te explicar. Imagine! Eu apertei um botão aqui, não sei qual foi. Desapareceu tudo!

Ela olhou para ele, apertou um botão… e tudo apareceu novamente! Então ela disse:

-Tolinho!!!

E ele conta que entendeu: porque ele tinha 84 anos, e ela tinha sete, aquilo, para ele, era o fim do mundo, mas, para ela, era uma tranquilidade…

Veríssimo, o grande escritor, filho de Érico Veríssimo, tem uma neta -Lucinda -da mesma idade. Então, de vez em quando, os dois se encontram e ficam contando a história das netas.

A Lucinda mora com ele – a família do Luís Fernando Veríssimo mora toda junta, numa grande casa em Porto Alegre. E a Lucinda estava dançando, cantando, e Veríssimo, o avô, para parecer gentil disse:

-Minha querida, que coisa impressionante! Você canta lindamente. Você dança lindamente. Você vai ser uma artista.

Ela o repreendeu:

-Vovô, eu não quero ser artista! Eu quero ter paz na minha vida!…

Ele ficou desesperado com a resposta que ela deu!!!

E, é claro, outro dia ele, queixando-se, porque eles moram na mesma casa, mas ela tem mil ocupações, faz balé, faz inglês, colégio, amigas… – com sete anos!!! Ele então foi se queixar:

-Mas, Lucinda, eu estou notando um coisa: você está comigo desde que nasceu. Seu pai e sua mãe moram aqui, mas você está me dando pouca atenção! Vovô está sentindo falta da sua atenção!

Ela, muito séria, disse a ele:

-Vovô, se conforme! A minha vida social é muito intensa. Eu não tenho muito tempo pra te dar atenção!!!

E ele olhou aquilo, na semana que ele fez 80 anos, no mês passado, ele entendeu, que, graças a Deus, a vida segue sempre em frente!

Nossos filhos, nossos netos, nossos tutelados, nossos alunos, muito mais jovens do que nós, continuarão…

…E felizes de nós, se retornarmos, quem sabe como nossos bisnetos ou tataranetos, para colhermos aquilo que estamos semeando no coração de todos!